Crise da crise


Em épocas de crise econômica, muitas coisas me irritam. A primeira delas é a repetição constante de frases como “nas crises existem grandes oportunidades”. Coisa de guruzinho de quinta que adora disseminar esse tipo de percepção, mas não faz absolutamente nada de diferente ou inovador.

A segunda coisa é o processo de comunicação. Ao menor sinal de queda de faturamento – pra ser mais honesto, de possibilidade de redução dos bônus da diretoria – o facão começa a cortar as cabeças dentro das organizações. Os orçamentos das áreas são revistos e, como de costume, marketing e comunicação são os primeiros a sofrerem o impacto. Afinal, “nem são tão importantes assim”, pensam os gestores.

É aí que mora o perigo (ok, mais uma frase que me irrita). Reduzem os investimentos em comunicação quando na verdade deveriam, ao menos, mantê-los, se não aumentá-los para dimensionar os riscos e preparar reações.

Estas figuras não percebem o quão importante é a gestão de uma comunicação eficiente neste momento. É na crise que a “rádio-peão” fica mais ativa do que nunca, proliferando notícias infundadas e causando pânico e desconforto na empresa. Cortam este recurso em vez de usá-lo a favor. O resultado é óbvio: desânimo dos colaboradores com as possibilidades de demissão e queda assídua da produtividade.

Esquecem que colaboradores/funcionários têm bocas, têm familiares e amigos, acompanham as notícias, principalmente quando dizem respeito ao seu emprego. Lembram da célebre frase das mães? “Notícia ruim chega rápido”. É isso que acontece. E uma hora os boatos – verdadeiros ou não – vão cair nos ouvidos de quem não poderia ou deveria recebê-los, causando ainda mais problemas. Não é assim que surgem os “furos”?

A forma de expor os momentos pelos quais uma determinada companhia está passando e tentar não demonstrar desespero diante da mídia de massa também é cruel. Como contornar uma queda vertiginosa no faturamento ou no lucro? Quem é o maior responsável por assumir a informação negativa e apresentar coerência e bom senso na frente dos microfones?

Sem a devida orientação, certamente a fonte será engolida, triturada e cuspida pelos jornalistas que adoram ver o sangue corporativo escorrer e estão babando por tragédias – de qualquer gênero, inclusive as financeiras.

5 comentários em “Crise da crise

  1. Concordo muuuuuito com o que você escreveu. Em tempos de dificuldades, em vez de falar menos e fingir que nada está acontecendo, a direção correta é ampliar a conversa com o ecossistema da empresa, amplificando os canais de comunicação de mão dupla e permitindo que os empregados conversem abertamente sobre o tema. É um momento de ajudar e educar as pessoas a respeito do cenário complicado que a empresa vem passando, aumentar a transparência e permitir uma plularidade de visões diferentes a respeito da situação. Em vez de deixar o papo rolando nos corredores, o melhor é trazer o tema para o canal de comunicação da empresa.

  2. Pois é, Mauro, o problema é que não tenho visto isso. A maioria das empresas insiste em cortar os “gastos” de comunicação e marketing em vez de usar os recursos com inteligência e de forma proativa, atraindo todos os públicos para uma conversa franca e sincera. Isso certamente ajudaria muitas companhias a superarem os problemas com mais rapidez e colaboração de todos. É muito mais honesto, prático e objetivo ser transparente.

  3. Eu sofri efeitos corporativos desses cortes e aconteceu bem assim, mesmo: com dor, apesar da dissimulação do golpe. A falta de táticas de comunicação para Gestão de Mudança é uma gafe corporativa de quinta! Felizmente, sou testemunho de uma grande organização que se antecipou bastante (em seu processo planejado de mudança) e contratou até consultoria para consolidar um projeto desses. Ou seja, tem gente que investe nisso!

    Agora, quanto aos gurus de quinta: a auto-ajuda grassa em contextos assim. Entretanto, gosto do livro “Poder SA: histórias possíveis do mundo corporativo”, no qual Beto Ribeiro versa com humor impiedoso sobre animosidades mil.

    E dessa frase, o que você acha: “quem planta vento, colhe temporal”?

  4. Bem, ainda se pratica muito menos do que se anda falando por aí. Tem muitas organizações que divulgam pretensos cases de como contornaram determinadas situações, falam grandiloquentemente sobre gerenciamento de crise, gestão transparente, estratégias criativas e blá-blá-blá, mas na prática o que se vê é muito improviso e estratégias tomadas na calada da noite.
    Vale ressaltar, por exemplo, a costumeira falta de transparência nos momentos de crise ou a mínima atenção dispensada aos públicos internos nessas horas, que ficam ao sabor dos rumores, fofocas e ilações. Muitas organizações não percebem a importância desses públicos no sentido da multiplicãção de informações e/ou de formar um único discurso.

  5. Fala Fernando, tudo certo? Obrigado pela visita e comentário. Infelizmente essa é mesmo a realidade. A história se repete por anos e lembra negociações de plataformas e serviços de segurança da informação: quando a merda estourar a gente vê o que faz. Enquanto isso, os funcionários continuam baixando tudo, espalhando vírus pela rede, divulgando informações confidenciais. O mesmo acontece com gestão de crise na web. Quando você vê um case sendo apresentado, parece que foi tudo uma maravilha. A verdade, porém, é que ninguém conta a parte ruim, a correria, a falta de planejamento para aquilo, etc. É preciso agir com mais profissionalismo e investir sim na comunicação. Não com aquelas mensagens velhas e que não colam mais, mas com transparência e respeito aos colaboradores.

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